"Brasil vê Dinah Shelton de maneira muito favorável, mas pode ter que votar em outro candidato para pagar obrigações adquiridas em outra eleição." (09BRASILIA422)
Um relatório do dia 2 de Abril de 2009, chancelado pela Embaixada Estado-unidense em Brasília, enviado à Secretaria de Estado dos Estados Unidos explica a situação da representação brasileira na OAS (Organização dos Estados Americanos com sede em Washington, fundada em 1951 para promover paz, justiça, solidariedade e colaboração entre os países americanos) nas eleições daquele ano para a Comissão de Direitos Humanos.
O documento entitulado 'Promovendo a candidata estado-unidense para a Comissão de Direitos Humanos da OAS' aponta que Marcia Adorno, chefe da divisão de Direitos Humanos do Ministério do Exterior Brasileiro, no dia 2 daquele mês reconheceu que estava familiarizada com o impressionante currículo da candidata norte-americana Dinah Shelton.
No entanto, Adorno reconheceu que maquinações pendentes com outros três países para eleger o juiz brasileiro Antonio Augusto Cançado Trindade para a Corte Internacional de Justiça (sediada em Hague, Holanda, em atividade desde 1945, e orgão judiciário principal das Nações Unidas) no mês anterior, não a possibilitavam fornecer uma resposta naquele momento. Cançado, de 1999 a 2003, havia sido presidente da mesma Corte Direitos Humanos da OAS.
Segundo o telegrama, "Adorno disse que a decisão final do voto seria realizada num escalão superior e que ela estaria apta a avisar-nos [Diplomacia estado-unidense] do plano de voto deles [alto escalão da diplomacia brasileira] em aproximadamente 15 dias antes da assembléia geral em Junho [2009]. Ela explicou que eles irão considerar a Professora Shelton e que ela[Marcia Adorno] espera que eles irão apoiá-la" (09BRASILIA422).
O mesmo tipo diálogo foi realizado entre os EUA e representantes de outros países membros da OAS na época, sendo parte da campanha diplomática de promover a candidatura da professora de Direito Internacional da Universidade de Washington. Sabe-se que Bahamas teria já compromissos com Argentina, Colombia e México para aquelas eleições (09NASSAU232). Por outra parte, o Canadá apoiava a candidata (09OTTAWA306).
Naquele ano, Shelton foi eleita para a Comissão de Direitos Humanos da OAS juntamente com Rodrigo Escobar Gil (Colômbia) e José de Jesús Orozco Henríquez (México).
O Sahara Ocidental é um território em disputa desde a década de 60 no norte da África, desde lá sendo palco de diversos conflitos. A área disputada localiza-se numa região no Sul do Marrocos, fazendo fronteira também com a Argélia e a Mauritânia. Na área de Tindouf, no sudoeste da Argélia, estão campos de refúgio da população Saaráui operados pela Polisario.
A Frente Popular de Liberação de Saguía-Hamra e Rio de Ouro, POLISARIO, www.saharalibre.es, é um movimento para a independência do Saara Ocidental ante o Marrocos. Constituída oficialmente em Maio de 1973 para forçar o fim da colonização espanhola, é uma derivação de organizações existentes desde os anos 50 na região. Desde 1979, a organização com sede em Tindouf é reconhecida pelas Nações Unidas desde 1979 como representante do povo do Saara Ocidental.
Telegramas recentemente divulgados pela organização Wikileaks denunciam extensa corrupção, violação de direitos humanos e de informação por parte da POLISARIO. O documento 09ALGIERS1117 aponta que "Contatos da Embaixada[Estado-unidense] com a UNHCR e ONGs Americanas trabalhando nos campos da Polisario perto de Tindouf dizem que indivíduos Saaráuis estiveram envolvidos em atividades de contrabando, mas o "governo" da Polisario pune severamente qualquer um que é pego traficando pessoas ou armas que poderiam ajudar terroristas". O mesmo documento reafirma posteriormente que "A Frente da Polisario responde violentamente a qualquer envolvimento com tráfico de armas, pessoas ou drogas".
Para controlar este tipo de atividade, a Polisario tem tomado medidas que não se encaixam em nenhum tipo de conduta aceitável por padrões mínimos de preservação de direitos humanos. Em 2008, o governo argelino detectou "três ou quatro" veículos 4x4 que supostamente estariam contrabandeando desde a Mauritania para uma base da Al-Qaeda no sul de Tindouf. "Com a aprovação da Polisario, dois helicópteros algelinos abriram fogo sobre os veículos para mandar aos Saaráuis e Argelinos a mensagem de não engajar-se em negócios similares".
Em outro caso, o mesmo contato afirmou aos oficiais estado-unidenses que um espanhol teria pagado alguns Saaráuis para resgatar sua "namorada" de 14 anos dos campos do Saara Ocidental pela Mauritânia "e disse que quando o Governo Sahrawi descobriu, todos os envolvidos foram severamente punidos e jogados numa "prisão escura"."
No entanto, Polisario não adota esta conduta em todos os casos, mas parece ter outro tipo de comportamento quando lhe convém. O mesmo documento aponta que um informante "disse que a Argélia e a Polisario fazem vista grossa para o contrabando de produtos como cigarro e diesel, e que a parte oriental de Tindouf é conhecida como "Kandahar"[cidade do Afeganistão famosa por não ter lei] por conta do mercado negro de produtos contrabandeados de lá". Seguindo, o mesmo contato afirma que "Os locais vêem a fronteira como artificial e que há muita corrupção e contrabando nos dois lados da fronteira Argélia-Marrocos".
Segundo o mesmo documento, a Polisario estaria preocupada com a presença de "extremismo" na área. Para combatê-lo, uma das práticas adotadas é a censura de conteúdo na internet. Um contato explicou aos oficiais dos Estados Unidos que "há um internet café em cada um dos quatro campos de refugiados onde os refugiados podem ver quase qualquer coisa na internet, incluindo pornografia e notícias do Marrocos, mas não website extremistas. Ele disse que qualquer um pego fazendo isso era separado para interrogatório e então monitorado de perto".
Nesta área, o Governo Argelino cede a administração dos campos de refugiados à Polisario. O mesmo informante garante que "os Saaráuis [leia-se Polisario] mostram aos visitantes os campos melhor organizados e com melhores condições de vida. Smara e Awser são os melhores campos, enquanto Dakhla tem as piores condições. O hospital de Dakhla tem apenas dois médicos, duas horas de eletricidade por dia e duas land cruisers que servem de ambulâncias e várias outras coisas. XXXXXXXXXX disse que os refugiados não recebem suficiente ajuda na alimentação e sofrem de problemas de saúde oriundos da repetitiva dieta da mesma comida doada por décadas".
Em toda a história do conflito e até agora, o Saara Ocidental sofre de diversos abusos em direitos humanos. Várias organizações têm denunciado estas violações, como a Amnestia Internacional, Human Rights Watch e o Comitê Internacional da Cruz Vermelha.